Mais de 500 trabalhadores são resgatados de condições análogas à escravidão
7 AGO 2025 • POR Da Redação • 10h39Pelo menos 563 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão em Porto Alegre do Norte (MT), durante a construção de uma usina de etanol realizada pela TAO Construtora. A operação foi coordenada por auditores do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e contou com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT).
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Segundo a fiscalização, os trabalhadores — muitos vindos do Norte e Nordeste do país — viviam em alojamentos insalubres, com superlotação, calor excessivo, falta de água potável e energia elétrica constante. A operação teve início em 20 de julho e revelou um cenário alarmante de violações trabalhistas.
PRECARIEDADE DOS ALOJAMENTOS
Um incêndio atingiu os alojamentos durante o período da fiscalização. De acordo com os relatos, as chamas podem ter sido causadas pelos próprios operários, em protesto contra a constante falta de água e luz.
Os dormitórios tinham apenas 12 m² e abrigavam até quatro pessoas, sem ventilação adequada, ar-condicionado ou roupas de cama apropriadas. Alguns trabalhadores chegaram a dormir no chão ou sob mesas, por falta de camas.
Após o incêndio, parte do grupo foi transferida para casas, hotéis ou ginásios esportivos da região, mas continuaram enfrentando condições precárias. Muitos perderam todos os seus pertences.
CONDIÇÕES DE TRABALHO INSALUBRES
Além dos problemas nos alojamentos, a força-tarefa encontrou um ambiente de trabalho insalubre: excesso de poeira, falta de ventilação, acidentes não comunicados, lesões nas mãos e pés e casos de doenças de pele.
A empresa não emitiu Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs), o que prejudicou o acesso dos feridos a direitos como atendimento médico e benefícios previdenciários.
RECRUTAMENTO ENGANOSO
A investigação também revelou um esquema de aliciamento com características de tráfico de pessoas. Sem mão de obra local, a empresa fez recrutamentos em massa por meio de carros de som e mensagens em grupos de WhatsApp, prometendo altos ganhos.
Muitos trabalhadores pagaram por conta própria passagens e alimentação para chegar ao local. Em outros casos, a empresa custeou as despesas da viagem, mas descontou integralmente dos salários — prática ilegal que agrava a vulnerabilidade do trabalhador.
Aqueles que não eram contratados ficavam sem recursos para retornar às suas cidades.
SISTEMA ILEGAL DE CONTROLE
Outro ponto crítico foi a descoberta de um sistema paralelo de controle de jornada, conhecido como “ponto 2”. Nele, horas extras não eram registradas oficialmente e eram pagas em dinheiro ou cheques, sem constar em contracheques, sem FGTS ou INSS.
Houve relatos de jornadas exaustivas, com turnos de até 22 horas, inclusive aos domingos, sem folgas. As horas extras prometidas durante o recrutamento não eram cumpridas legalmente.
A alimentação também foi alvo de denúncias: refeições repetitivas, com presença de larvas e alimentos deteriorados. O refeitório não tinha ventilação adequada.
DEMISSÕES, PERDAS E ACORDO EM NEGOCIAÇÃO
Após o incêndio, foram registradas 18 demissões por justa causa, 173 rescisões antecipadas e 42 pedidos de demissão. Cerca de 60 trabalhadores perderam todos os pertences pessoais no incêndio.
O MPT está negociando com a TAO Construtora um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que prevê:
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Pagamento das verbas rescisórias, incluindo salários “por fora” e horas extras;
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Indenizações por danos morais individuais e coletivos;
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Reembolso das despesas com deslocamento e retorno aos estados de origem;
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Pagamento de R$ 1.000,00 para cada trabalhador que perdeu seus bens no incêndio.
Os resgatados também terão acesso ao Seguro-Desemprego especial, previsto para vítimas de trabalho análogo à escravidão.
CONSTRUTORA MANTÉM OUTRAS OBRAS NO MATO GROSSO
A TAO Construtora possui outras três obras em andamento no estado, empregando cerca de 1.200 trabalhadores. A unidade de Porto Alegre do Norte, alvo da fiscalização, é a maior delas. A empresa ainda não se pronunciou oficialmente.
O QUE É TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO?
De acordo com o Código Penal, o trabalho análogo ao de escravo se caracteriza por:
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Condições degradantes;
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Jornada exaustiva;
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Trabalho forçado;
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Restrição de liberdade por dívida ou coação.
Trabalhadores resgatados têm direito a receber três parcelas de seguro-desemprego, além de apoio da rede de Assistência Social.
COMO DENUNCIAR
Denúncias podem ser feitas de forma anônima pelo Sistema Ipê, disponível pela internet. Quanto mais informações forem fornecidas, maior a chance de a fiscalização agir com rapidez e eficiência.