Médicos contestam autorização para enfermeiros prescreverem antibióticos
18 SET 2025 • POR Da Redação • 17h15
O Conselho Federal de Medicina (CFM) solicitou à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a revogação imediata do ato que permite a inclusão de enfermeiros como prescritores de antibióticos no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), plataforma utilizada para monitorar a entrada e saída de substâncias controladas em farmácias no Brasil.
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A decisão da Anvisa, publicada no início do mês, permite que profissionais de enfermagem, inscritos no Conselho Regional de Enfermagem (COREN), enviem prescrições de antimicrobianos ao SNGPC, desde que haja amparo legal. A agência ressalta que a medida não se aplica a medicamentos sujeitos a controle especial, definidos na Portaria SVS/MS n° 344/1998, como entorpecentes, psicotrópicos, benzodiazepínicos, antiepilépticos, retinóides sistêmicos e imunossupressores.
MEDICAMENTOS QUE NÃO PODEM SER PRESCRITOS POR ENFERMEIROS
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Entorpecentes e psicotrópicos: morfina, metadona, fentanila, petidina, plantas proscritas, anfetaminas e derivados (metilfenidato, femproporex, anfepramona, mazindol), benzodiazepínicos (diazepam, clonazepam, alprazolam, lorazepam).
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Outras substâncias de controle especial: fenobarbital, antidepressivos tricíclicos, isotretinoína, acitretina e imunossupressores (ciclosporina, talidomida).
A Anvisa reforça, por meio da Nota Técnica n° 2/2024, que a competência para determinar a atuação de categorias profissionais é dos conselhos profissionais, e não da agência reguladora.
POSIÇÃO DO CFM
O CFM argumenta que a prescrição de medicamentos é atividade de competência privativa do médico, definida pela Lei nº 12.842/2013, e que enfermeiros não possuem a formação necessária para prescrever antibióticos, que exigem conhecimento específico sobre diagnóstico e diferenciação de infecções bacterianas, virais ou fúngicas. Segundo o segundo secretário do CFM, Estevam Rivello, a decisão da Anvisa representa um "risco concreto à saúde da população" e pode facilitar o uso inadequado de antimicrobianos, elevando a resistência bacteriana e aumentando tempo de internação e mortalidade.
Rivello também destacou a importância do uso racional de antibióticos, lembrando estudo publicado em setembro de 2024 na revista The Lancet, que projeta mais de 39 milhões de mortes até 2050 devido à resistência bacteriana.
O CFM aguarda uma resposta da Anvisa sobre a fundamentação da decisão e não descarta judicializar o órgão para garantir o respeito à legislação que regula o exercício da medicina.
DEFESA DO CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM (COFEN)
O Cofen defende que a prescrição de medicamentos por enfermeiros é regulamentada desde 1986, com a Lei 7.498/1986, e que a inclusão da categoria no SNGPC é uma adequação técnica que amplia a resolutividade dos serviços de saúde, principalmente em regiões remotas e unidades básicas de saúde.
Segundo o conselheiro federal Vencelau Pantoja, a medida impacta programas de saúde voltados ao enfrentamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) e fortalece a atuação dos enfermeiros em programas estratégicos de saúde pública.
O Cofen afirma que, com a medida, farmácias podem aceitar receituários de antimicrobianos prescritos por enfermeiros com segurança jurídica, garantindo autonomia profissional e reconhecimento social.
CONTEXTO LEGAL DA PRESCRIÇÃO DE ENFERMEIROS
A permissão para que enfermeiros prescrevam antibióticos já existia em algumas situações, mas até então não havia uma categoria específica no SNGPC. De acordo com a Portaria 2.436/2017 do Ministério da Saúde, profissionais da enfermagem podem prescrever medicamentos conforme protocolos, diretrizes clínicas e normativas técnicas definidas pelos gestores de saúde federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.
DEBATE SOBRE COMPETÊNCIA LEGAL
Em entrevista, Estevam Rivello afirmou que a Anvisa não tem competência legal para legislar sobre exercício profissional, atribuição que é do Congresso Nacional. Ele alerta que a medida da agência permite prescrição sem supervisão adequada, representando um "pode tudo" que vai na contramão das práticas internacionais de controle de antimicrobianos.
O CFM lembra que decisões administrativas fora de protocolos podem aumentar internações, mortalidade e custos assistenciais, e que a resistência a antibióticos é uma das 10 maiores ameaças à saúde pública global. A própria Procuradoria Federal junto à Anvisa já havia afirmado, em pareceres de 2007 e 2012, que a agência não detém competência para regulamentar exercício profissional.
CONCLUSÃO E RISCOS À SAÚDE PÚBLICA
Para o CFM, a medida da Anvisa transforma uma adequação técnica em autorização para exercício ilegal da medicina. A ausência de mecanismos de fiscalização amplia o risco de prescrições sem controle, transferindo aos sistemas de saúde o ônus de decisões administrativas que afrontam a Constituição. O conselho reforça que é urgente a revogação da medida, a fim de alinhar a política nacional de uso racional de antimicrobianos com compromissos internacionais do Brasil.