De quebradeira de coco a universitária: idosa conclui faculdade aos 70 anos
30 NOV 2025 • POR Da Redação • 19h31Aos 70 anos, após uma vida marcada por dificuldades, trabalho duro e resistência, Maria de Fátima Abade Barbosa vive uma fase de realizações. A mais recente foi a apresentação do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no curso de Licenciatura em Educação do Campo – Artes, na Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT), em Tocantinópolis.
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Antes disso, ela já havia encantado o Brasil ao realizar dois sonhos: conhecer a Marquês de Sapucaí para ver de perto a escola de samba Portela e comprar o tão desejado saxofone, adquirido no Paraguai.
QUEBRADERIA DE COCÔ
Maria de Fátima relembra que aprendeu a quebrar coco babaçu aos cinco anos, atividade que dividia com a mãe. A renda era pouca e o acesso às áreas com palmeiras era restrito, por pertencerem a fazendeiros. A dureza da rotina acabou afastando mãe e filha da escola por muitos anos.
Na adolescência, mudou-se para outra cidade para trabalhar como empregada doméstica. “Na casa dos outros é tudo pior. Eu chorava de cá, minha mãe de lá. Mas pensava que tinha que trabalhar para dar as coisinhas para ela”, recordou.
RECOMEÇAR AOS 60: “POR QUE A SENHORA NÃO ESTUDA?”
A perda da mãe deixou Maria de Fátima sem rumo. Mas a chegada do filho adotivo reacendeu seu contato com a escola. Levando o menino diariamente às aulas, chamou atenção de uma professora que decidiu incentivá-la:
“Por que a senhora não estuda? Vai estudar sim”, disse a docente, que ainda cedeu material escolar.
Ela fez o teste no EJA e alcançou a 3ª série. Depois disso, não parou mais. Mesmo com mudanças entre Goiânia e Tocantinópolis, concluiu o Ensino Médio e manteve o sonho da educação vivo.
VESTIBULAR, CRÍTICAS E CORAGEM PARA SEGUIR
Quando decidiu prestar vestibular, outro incentivo veio de uma professora. Inscreveu-se, passou e iniciou o curso superior aos 67 anos, apesar dos comentários preconceituosos que ouviu pelo caminho.
“Diziam que papagaio velho não aprende a falar. Mas a gente não deve ouvir”, reforçou.
O medo inicial deu lugar a acolhimento. Colegas jovens se tornaram apoio constante.
“Eles me ensinaram muito. A vergonha era minha, mas pensei: não existe faculdade só para mim. Então fiquei quietinha e fui aprendendo.”
Sobre os professores, ela se emociona ao falar da orientadora do TCC, Iara Rodrigues da Silva:
“Enquanto eu respirar, não vou esquecer o que ela fez por mim.”
HISTÓRIA DE VIDA VIROU TEMA DO TCC
A trajetória de superação virou tema do próprio TCC: “Nunca é Tarde para Aprender: A história de vida de uma mulher preta que foi excluída do processo educacional de ensino”. A defesa ocorreu em 13 de novembro e foi aprovada com louvor.
Por não dominar o computador, Maria de Fátima contou com o apoio do colega Vinícius Macedo, que digitou todo o texto narrado por ela.
Para a apresentação, preparou um cenário que remetia à roça, às roupas de quebradeira de coco e à simplicidade da infância. Ao final, entrou com seu saxofone, símbolo dos sonhos que ainda pretende realizar.
MENSAGEM FINAL: “NUNCA É TARDE PARA CORRER ATRÁS DO SONHO”
A história de Maria de Fátima tem inspirado outras pessoas dentro e fora da universidade. Ela reforça que a vida é curta demais para renunciar aos próprios sonhos.
“Mesmo pequeno que seja, a gente tenta realizar. Um dia a gente vai embora e não tem retorno.”