Por: João Gomes da Silva

Quando a alma fica em silêncio

14 MAR 2011 • POR • 09h32

A antropologia descreve o homem desde os seus primórdios como um ser inquieto. Essa inquietude ocorre primeiramente pela necessidade de sobrevivência e depois pela busca insaciável da superação, impulsionada pelo instinto de aquisição nato na própria natureza humana.

Na medida em que novas descobertas tecnológicas aparecem, junto com elas vem a oferta de consumo. Isso gera o desejo do ter, do desfrutar, e até do exibir o bem adquirido como forma de satisfazer o ego em relação às outras pessoas. Esse sentimento se aflora a cada aquisição, fazendo do homem mero consumidor e expositor de produtos.

Quando isso ocorre ficamos ativos, falantes, e com notável demonstração de prazer. Queremos na maioria das vezes partilharmos esse sentimento com quem amamos e até usar o objeto-fruto da nossa satisfação como isca com o intuito de trazer para perto de nós alguém que de outra forma nunca conseguiríamos conquistar.

Envaidecidos pelo desejo de estar em evidência e iludidos pela auto-suficiência perdemos a racionalidade do compartilhamento das coisas, deixando para traz o nosso próximo, às vezes sem nada, como se ele não existisse.

Esse espírito propulsor do mundo capitalista move violentamente todo sistema econômico transformando os homens em ferozes especuladores e os levando a viver de forma explosiva e egoísta, porque a ganância não os deixa viver em paz.

Em meio à solidão, a alma se contrai na tentativa de fugir e se esconder desse mundo de desejos excessivamente material. Talvez a aorta – sua casa mãe-, já não sirva mais de invólucro. E, confusa por não saber lidar com tanta ganância, se encolhe num canto vazio do ventrículo, numa espera solitária e quase interminável.

Sem poder evidenciar seus sentimentos ela chora sozinha, mas só durante o sono da mente racional, pois essa acordada não a deixa chorar nem sorri. A racionalidade humana quase não chora nem sorri. É sisuda, e quer respostas concretas para suas indagações. Não vagueia no mundo dos sonhos coloridos, não perde tempo com sentimentos abstratos nem se propõem a amar. Apenas fica o momento conveniente, depois sai em busca de nova satisfação quase sempre egoísta, momentânea e às vezes insana.

Ao contrário da consciência racional, alma chora, sorri, sonha e vagueia no horizonte de cores que só ela pode ver. Seus desejos estão no emocional. É lá que as flores desse jardim do amor se desabrocham, trazendo ao mundo do desamor o aroma suave muitas vezes não sentido pelo olfato inerte de quem vive apenas o material.

Nesse jardim é produzido o bálsamo que suaviza a dor dos humanos. Lá está o antídoto que neutraliza o veneno que ingerimos desse mundo material, onde o contentamento com as pequenas coisas é raridade, em meio às turbulências do materialismo e do capitalismo insano.

 

João Gomes da Silva é teólogo, escritor e autor do livro “As duas faces da religião”.