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Por: João Gomes

Quando a igreja desenhou Deus

25 abril 2011 - 11h13

Falar de Deus ou apresentá-lo nos discursos litúrgicos dentro da visão oficial da religião já não fascina tanto os ouvintes, pois a igreja se encarregou de desenhar um deus bem conveniente, num modelo onde os seus seguidores pudessem sentir nele uma identificação perfeita inclusive na cor.

Daí já não causa mais surpresas nem espécie à aparência das divindades que nos são mostradas nos desenhos animados da televisão, nos quadros pintados pelos escultores da idade média, nos filmes produzido pelos cineastas de cultura ariana, na vasta literatura sacra e outros, onde a cor da pele, dos olhos, cabelos e aspecto físico avantajado se constituem na base racial do mundo da religião.

Lá está Deus, descrito como um ancião alto, branco, de barba e cabelos longos e brancos. Igualmente, Jesus aparece com as mesmas descrições, olhos azuis, cabelos longos e cacheados de cor marrom–clara. Um Cristo estrategicamente pintado com característica européia. Os anjos esculpidos por Michelangelo seguem a mesma visão, são gordinhos, bochechudos, pele branca e tão rosada que não deixa dúvidas de que também são mesmo anjos europeus.

Foi essa a imagem divina que nos foi transmitida quando da colonização portuguesa, depois pelos missionários americanos e ingleses. Isso está presente em todos os altares e credos, mesmo nas religiões monoteístas onde suas revistinhas infantis trazem em seus quadrinhos, desenhos no mesmo modelo da visão do catolicismo, e duvido que alguém possa imaginar os seres celestiais de outra forma.

Todavia o Diabo é descrito como sendo preto, com rabo e chifres, tendo na mão um garfo gigante com o qual atormenta suas vítimas. Seus anjos também são apresentados pela a arte sacra com aparência repugnante, porque foi assim que a igreja os pintou, e isso ficou impregnado em nossa mente de tal forma que quando alguém tem alguma visão ou sonho com algum ser do mundo espiritual, os mesmos são vistos na forma descrita pela igreja.

Fiquei sabendo de uma comunidade japonesa convertida ao cristianismo, que seus membros pintaram um Cristo de olhos bem apertadinho tipicamente japonês. Na África algumas tribos só aceitaram o Evangelho depois que os missionários pintaram um Jesus de cor preta, pois os nativos não conseguiam imaginar um Cristo com aparência ariana depois das injustiças sofridas durante vários anos de dominação por esse povo.

No Estado do maranhão, mas especificamente na cidade de Pedreiras minha terra natal, o padroeiro da cidade é são Benedito, um santo preto, bem pretinho. Está lá a pedido dos quilombolas da região que insatisfeitos com os santos brancos da religião católica, exigiram um santo preto com o qual pudessem se identificar no ato da adoração. Conheço várias estórias daquele santo, como: milagreiro, e até fujão quando descontente com alguns adoradores.

Na minha infância vi os negros do povoado potozim e pau-real, passarem com esse santo em procissão, algumas vezes alegando que ele tinha fugido para outra região e estava numa outra capela. Na verdade havia a cultura de que na falta de chuvas se devia roubar um santo para que as chuvas voltassem a cair, e isso acontecia com freqüência, esse santo nunca saiu do seu lugar por conta própria.

Mas as divindades propostas pelo sistema oficial da religião também incorporam um caráter bem típico de cada época e de cada região. E aqui não se pode criar exceção, pois o Judaísmo, o Islamismo e também o Cristianismo não são diferentes nesse aspecto. Na religião judaica defensora do sistema de governo monárquico, Deus é descrito como rei, tem trono e tronos para os seus súditos, um cetro na mão, e milícias de anjos ao seu serviço, ora para proteger seus servos, ora para matar os inimigos dos seus servos como ocorreu no Egito. Esse Deus criou um céu de glória para os seus escolhidos, e um inferno de fogo para os seus desafetos e ponto final.

O Islã tem um Deus misericordioso, justo, porém vingativo, apesar de sua misericórdia infinita, manda matar decapitado os inimigos dos guerreiros de Alá, o que eles fazem com cânticos de adoração, e aos matadores oferece um paraíso com água cristalina, doces tâmaras e muita sombra com algumas donzelas para confortá-los. Essa promessa é encantadora para quem mora no deserto.

O Cristianismo professado por diversos credos é igualmente perverso em várias ações, quem não se lembra da santa inquisição, e dos 900 mil mortos em duzentos anos de existência desse tribunal maligno? Ali as grandes descobertas intelectuais eram reprimidas pela religião, vitimando grandes gênios da nossa história e suplantando a liberdade intelectual, fruto único do desenvolvimento de qualquer povo.

Hoje somos bombardeados todos os dias por grupos religiosos nos propondo um deus capitalista e barganhador, se você doar algum bem a esse deus se candidata a receber as benções solicitadas, se não, vai ficar na miséria pelo resto da vida. Movidos pelo desejo excessivo do “ter” milhares estão entrando por esse caminho onde os sentimentos nobres da espiritualidade ficam renegados a planos posteriores e talvez nem isso.

Envergonho-me e fico temeroso quando vejo essa tendência capitalista da religião rodeando todos nós, não tenho pra onde fugir! Todos os credos estão infectados. Só me resta o isolamento como refúgio, e talvez buscar em Deus um lugar na IGREJA INVISIVEL, lugar onde essas aves de rapina não podem ir. Que nesses dias de trevas espirituais Deus tenha misericórdias de todos nós pobres criaturas, e nos der escape desses abutres da religião, que em nome de Deus estão construindo patrimônios materiais,carregando malas de dinheiro, numa ganância de assustar quem deseja morar no céu, mas o juízo de Deus virá sobre eles e não tardará.


João Gomes da Silva é teólogo, escritor e autor do livro “As duas faces da religião”. Reside em Colinas. E-mail: [email protected]