Palmas
27º
Araguaína
27º
Gurupi
27º
Porto Nacional
27º
Kátia Abreu

Nacionalismo fora de hora

09 agosto 2011 - 09h49

A presença de cidadãos e empresas estrangeiras deve ser saudada como algo inteiramente positivo

Numa sociedade em rápida transformação, como a nossa, a economia, a política e a cultura nunca evoluem no mesmo passo.

A economia pode modernizar-se rapidamente sob a pressão dos contatos com o exterior, sem que o sistema político e as ideias na sociedade acompanhem-na no mesmo ritmo.

A falta de sincronia entre essas esferas da vida social transmite a impressão de que o país vive simultaneamente em tempos históricos diferentes.

A América Latina, e o Brasil com ela, perdeu a maior parte do século 20 procurando inimigos externos para justificar sua pobreza e seu atraso em relação ao mundo.

Nessa busca insensata perdemos a capacidade de perceber nossos próprios problemas, nossas fraquezas e, muito pior que isso, as grandes possibilidades que tínhamos diante de nós.
 

Alimentamos conflitos políticos inúteis, criamos espaço para lideranças políticas ineptas e irresponsáveis e deixamos de investir na criação das condições objetivas que tornam possível o crescimento econômico.


Felizmente, alguns de nossos países, e o Brasil principalmente entre eles, conseguiram romper o círculo de atraso de consciência e ingressaram numa fase de modernização econômica e social que nos está levando, pela primeira vez, para o centro relevante do mundo.

No Brasil, no entanto, a modernização econômica ainda não teve tempo, ou não foi capaz, de influir no modo de funcionamento do sistema político e no conjunto das ideias com que os brasileiros interpretam sua realidade.

A política continua o mesmo modo patrimonialista de sempre e pode tornar-se um obstáculo importante à continuidade do nosso desempenho econômico.

Mas o mais grave é a sobrevivência de ideias anacrônicas que ainda guiam o comportamento de setores importantes da sociedade.

A pior dessas ideias é o nacionalismo. É um nacionalismo mais recatado e fino, sem os slogans patéticos dos anos 50, mas mesmo assim carregado do mesmo veneno.

Os nacionalismos de todos os tipos estão na origem dos maiores desastres e dos maiores fracassos das sociedades humanas nos últimos cem anos.

Trazem à tona os piores instintos humanos, como o estranhamento e o ódio ao outro, instintos duramente domados pelos processos civilizatórios, mas que vez por outra ressurgem nas ideias políticas.

Essas reflexões me vem à mente com as notícias de que a Advocacia Geral da União está preparando uma proposta de lei determinando que empresas estrangeiras ou empresas nacionais com controle estrangeiro tenham que submeter previamente a um conselho do governo federal a compra de terras acima de cinco hectares.

Se esse propósito se concretizar, estaremos diante de um imenso retrocesso, que nos remete de volta ao pior nacionalismo dos anos 50 e dos anos de governo militar.

A presença de cidadãos e empresas estrangeiras no desenvolvimento brasileiro deve ser saudada como algo inteiramente positivo e não ser colocada sob suspeita ou restrições.

Mesmo porque, em virtude do próprio crescimento da economia brasileira, agora são os cidadãos e empresas brasileiras que estão se expandindo para fora de nossas fronteiras.

O argumento de que esse controle prévio é necessário para proteger a soberania brasileira em setor estratégico, faz uso abusivo, o que está se tornando corrente, da palavra estratégica e ignora o que seja exercício de soberania.

Soberania é a aplicação exclusiva da lei nacional dentro das fronteiras do país, e ninguém compra terras no Brasil invocando legislação de seu país de origem.

É falso o argumento e danosas as consequências. O Congresso brasileiro reformou a Constituição de 1988, abolindo a distinção entre empresa brasileira de capital nacional ou de capital externo.

Querer ressuscitar essa odiosa discriminação põe em risco a percepção que se possa ter da segurança jurídica em nosso país, e passa a ideia de um injustificável complexo de inferioridade.


KÁTIA ABREU, 49, senadora (DEM-TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados, a cada 14 dias, neste espaço.