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Por: Di Engenho Novo

Chocador profissional

04 novembro 2011 - 11h48

Veio com duas varetas presas por um elástico amarelo que roubou das coisas do pai. Havia todo o dinheiro do mês em notas de cinquenta, mas o moleque só conseguia enxergar o que realmente precisava. Para ele tão pouco valor tinham aquelas notas novinhas, quanto a cara de Carlos Drummond de Andrade estampada nelas. A liga de prender dinheiro, sim, valia. E seria a peça mais valiosa de seu imponente avião, a peça que faltava.

“Vinhããão! Pai olha o meu avião, olha.”, “Tá filho, tá.” Respondeu por de trás do bigode retocado. “Pai, meu avião tá cheio de bomba. E eu vou destruir a escola. Tu-tu-tu-tu-tu-tu-pow!”, “Parabéns filho, agora deixa seu pai ver o que o Sarney anda aprontando.”, “Pai eu vou ser piloto de avião…”, “Não vai não filho. Avião é caro. Você vai é trabalhar na fábrica pra ajudar o seu pai”.

Foi como um míssil teleguiado, direto na alma. O avião foi varrido no mesmo dia com a poeira da casa. Se houvesse uma câmera ultra lenta, poderia se ver bem devagarzinho, o peito do guri encolhendo, os ombros murchando, caindo as fases da luz dos olhos e o coração esvaziando como um pneu furado por um único prego. Um crime.

O garoto não se tornou só um funcionário da fábrica, o garoto profissionalizou-se para então se tornar um chochador profissional.

Os chochadores apresentam uma psicopatia em grau menor, mas trazem consigo a arma mais letal de todas: a opinião sobre tudo.

Ouvi na casa de praia de uns amigos, a mulher contar sobre seu sonho de abrir um tal de sex shop. Ela falava de sexo como a minha avó fala dos problemas da coluna, com a boca cheia.

Seria um sucesso, mas o marido a cortou dizendo que aquilo não dava dinheiro, que era coisa de europeu safado e que era melhor ela ficar em casa cuidando da criação das meninas.

No ano seguinte, surgiu no Brasil a maior e mais lucrativa rede de sex shops, trazida por um sueco safado e agora rico.

Esses dias mesmo em um jantar, um conhecido veio comentar na nossa mesa que pretendia se lançar como vereador na cidade. O chochador da mesa quase engasgou com a cerveja e foi prontamente sugar o pobre coitado. “Você é doido, só vai perder dinheiro. Melhor ficar quietinho aqui com o seu lavajato”. Depois que o ex-futuro-vereador saiu cabisbaixo o chochador disse com um sorriso involuntário no rosto “Sabe que eu até votaria nele?”. Política não é coisa de gente, mas dizer essas coisas para o cara pra quê meu Deus?

Outros têm imunidade à chochação.

Santos Dumont, por exemplo, subiu no 14-bis com uma galera dizendo que ele ia morrer. Até morreu, 26 anos depois, mas antes inventou o tal do avião, o tal do dirigível, o tal do ultraleve. Mas este não é um texto de auto-ajuda, não vamos aqui revisitar a clássica estória do sapinho surdo que vence a corrida. O foco não é esse. Nós estamos aqui para dar um basta nos chochadores.

Quando um se aproximar simplesmente diga com as mãos impostas: “Vai de retro!”, assim mesmo, com violência. A mesma violência com a qual eles esfarelam os sonhos alheios. Vi isso na madrugada em um daqueles programas de igreja, e funciona.

Não perca tempo com os chochadores! Se não quiser queimá-lo com palavras santas e afastá-lo com os dedos em cruz, simplesmente peça licença e saia de perto. Existe a realidade, a dureza da vida, existem problemas e existem fracassos. Disso todo mundo sabe. O problema não é fracassar ou não conseguir algo que se quer. O problema é não perceber quantas opções e variações de sucesso temos na vida, e ter por perto gente que só enxerga as chances e os nuances do fracasso. Mário Quintana dizia que sonhar é acordar-se para dentro. E é isso que teme o chochador; ver seu oco interior. Vai de retro!


(Di Engenho Novo - Músico/Compositor/Jornalista/E-mail: [email protected])